Transportadoras tentam frear distribuidoras enquanto ANP debate regulação de gasodutos
As transportadoras de gás natural tentam pôr um freio em alguns novos projetos de expansão das distribuidoras, enquanto a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) discute a regulamentação para classificação de gasodutos endash; em consulta pública até 21 de julho.
Em São Paulo, a ATGás pediu à Arsesp (o regulador estadual) que os planos de negócios da Comgás e da Necta sejam reavaliados.
A associação, que representa as transportadoras, questiona, em especial, os projetos de interligação das redes das concessionárias, cujos planos de investimentos passaram recentemente por consulta pública no processo de revisão tarifária das companhias.
A ideia é evitar que os investimentos sejam aprovados e incorporados às tarifas dos consumidores locais antes que o assunto esteja pacificado endash; e impedir, assim, um novo caso Subida da Serra.
O gasoduto da Comgás, aprovado em 2019 pela Arsesp, foi posteriormente classificado pela ANP como um ativo de transporte e o conflito federativo pela regulação do empreendimento está, hoje, no Supremo Tribunal Federal (STF).
E não é só em São Paulo. Em Alagoas, também, há um conflito posto envolvendo projetos da Algás, a concessionária local, e a Transportadora Associada de Gás (TAG).
As distribuidoras, por sua vez, veem na proposta de regulamentação da ANP um caso de invasão à competência estadual.
A seguir, a gas week se debruça sobre o assunto.
Transportadoras veem duplicidade na rede
A ATGás pediu mais detalhes sobre os projetos da Comgás e Necta. Quer entender se as características técnicas de diâmetro e pressão conflitam com os limites propostos pela ANP (veja a minuta de resolução na íntegra, em .pdf).
A Comgás planeja investir em novos gasodutos para interconectar as redes da companhia com as das demais concessionárias de gás do estado (Necta e Naturgy) endash; um compromisso previsto na renovação da concessão em 2021.
Os projetos inicialmente mapeados são:
Porto Ferreira-Araras (interligação com a Necta)
Campinas-Salto (interligação com a Naturgy)
São investimentos de R$ 543 milhões que permitirão a troca operacional (swap) do gás, por meio do fluxo físico da molécula e não somente pelo fluxo comercial, entre as diferentes áreas de concessão no estado.
Na prática, permite que o gás importado pela Edge (do mesmo grupo Compass) pelo Terminal de Regaseificação de São Paulo (TRSP) chegue aos consumidores da Necta e Naturgy pela malha da Comgás.
A ATGás teme que os novos investimentos criem duplicidade com as redes da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) e Nova Transportadora do Sudeste (NTS) endash; comprometendo, assim, a eficiência econômica do sistema de transporte, com impactos negativos sobre as tarifas.
A associação alega também que alguns dos projetos consideram indevidamente a plena operação do Subida da Serra, sem que o assunto esteja pacificado na esfera judicial. Ou seja, os investimentos seriam incorporados às tarifas dos consumidores paulistas de forma legalmente duvidosa. A Arsesp ainda analisa as contribuições dos agentes.
eldquo;Existem gasodutos de transporte que cortam o estado de São Paulo e alimentam as redes das concessionárias locais. Os sistemas precisam ser complementares, não concorrentes, porque estamos falando de uma indústria de rede que depende de escalaerdquo;
eldquo;E, no fim, todo mundo perde se deixarmos a infraestrutura de gás se desenvolver de forma ineficienteerdquo;, argumenta o presidente da ATGás, Rogério Manso.
Em tempo. O conflito federativo em torno do Subida da Serra segue no Supremo, depois das tentativas frustradas de acordo entre ANP, Arsesp e o governo de São Paulo no Núcleo de Solução Consensual de Conflitos no STF.
Caberá ao ministro relator, Edson Fachin, julgar liminarmente o pedido da Arsesp e do governo de São Paulo para que a operação do gasoduto seja mantida sob regulação estadual até o julgamento final da ação; e que a ANP seja impedida de adotar quaisquer medidas para interditar a operação do ativo.
Distribuidoras veem invasão de competências
As distribuidoras, representadas pela Abegás, veem na proposta de regulamentação da ANP um caso de invasão à competência estadual endash; alegam, nesse sentido, que não existe hierarquia da regulação federal em relação à estadual, pela própria definição constitucional.
Segundo a associação, a discussão aberta pelo regulador federal está contaminando a revisão tarifária das concessionárias e pode paralisar investimentos.
A Abegás entende que o debate ainda está pouco maduro e pede o adiamento, por 30 dias, dos prazos da consulta pública da ANP, devido à complexidade do assunto.
O diretor técnico comercial da Abegás, Marcelo Mendonça, defende um eldquo;freio de arrumaçãoerdquo; no debate: eldquo;Hoje, do jeito que está, a regulamentação da ANP inviabiliza investimentos das distribuidoraserdquo;.
As distribuidoras alegam que a Análise de Impacto Regulatório (AIR) não se aprofunda no impacto econômico sobre a atividade de distribuição; e questionam a eficiência do sistema.
Nesse ponto, especificamente, a Abegás argumenta que, nos termos do desenho regulatório proposto pela ANP, será preciso ampliar a construção de city-gates (onde ocorre a transferência de custódia do gás para as distribuidoras) endash; o que tende a encarecer a expansão da infraestrutura. Cada ponto de entrega custa cerca de R$ 50 milhões.
Além disso, corre-se o risco de que sejam propagadas malhas de transporte desconectadas entre si, no interior dos estados.
A Abegás pontua, ainda, que o segmento de transporte opera com ritos mais complexos de aprovação e prazos para implantação de projetos.
Uma das diretrizes da minuta da ANP, para classificação de gasodutos, é o conceito da eficiência global das redes, mas falta, na visão de diferentes agentes, justamente, um aprofundamento sobre o conceito na minuta.
As críticas à minuta proposta pela agência estão detalhadas no artigo de opinião eldquo;Proposta da ANP para regulação de gasodutos representa ameaça de conflito federativoerdquo;, escrito pelo sócio-diretor da Zenergas Consultoria, Zevi Kann.
TAG e Algás disputam projeto de 1 km
Em Alagoas, a TAG questiona um projeto da Algás em Pilar: um gasoduto em aço carbono de 1,5 quilômetro de extensão que, segundo a concessionária estadual, está associado à realocação do ponto de entrega Marechal Deodoro das instalações da Origem Energia para a rede da transportadora.
A TAG alega que o ramal já está contemplado nas obras de instalação do novo Ponto de Saída Marechal Deodoro II e que há duplicidade nos projetos.
A transportadora defende que o seu projeto valoriza a conexão da rede da Algás à malha de transporte e que permitirá maior precisão na medição dos fluxos destinados à futura instalação de estocagem subterrânea de gás natural de Pilar (uma parceria entre TAG e Origem).
A Algás justifica, em seu plano de investimentos, que o seu novo ramal é necessário para a a expansão planejada da rede local e visa manter a estabilidade operacional do sistema.
A Arsal, o regulador estadual, não acatou os questionamentos da TAG, na aprovação do projeto, mas recomendou na ocasião a articulação com a ANP para aprofundamento da análise.
Procurada, a TAG esclareceu, em nota, que suas contribuições são eldquo;pautadas na defesa do benefício coletivo dos usuários da cadeia de gáserdquo; e que o planejamento integrado das redes é o eldquo;caminho necessárioerdquo; para o dinamismo de mercado e aumento da competitividade do gás.
A Algás, por sua vez, destacou, em nota, que o eldquo;planejamento integrado entre os entes federativos constitui instrumento essencial para o desenvolvimento infraestrutura de transporte e distribuição de gás natural no país de forma eficienteerdquo;.
E que ele deve respeitar a competência e independência dos entes federativos. Caso contrário, poderá resultar em eldquo;custos com judicialização e redução de investimentos, comprometendo, assim, o próprio desenvolvimento da infraestrutura do paíserdquo;.
Na Bahia, assunto esfria
A TAG também chegou a formalizar em março, na ANP, questionamentos sobre a operação de um gasoduto da PetroReconcavo na Bahia, que interliga a UTG São Roque diretamente à rede da Bahiagás.
O assunto, porém, esfriou. O gasoduto, aliás, não se enquadraria como de transporte, com base nos próprios limites técnicos de diâmetro e pressão recém-propostos pela ANP.
Em 2024, a área técnica da agência indicou que o gasoduto se tratava de um ativo integrante da instalação produtora e sujeito ao acesso negociado e não discriminatório de terceiros endash; posição chancelada pela Procuradoria Federal junto à ANP.
A TAG, por sua vez, alegou que, pelas características técnicas e sua finalidade, trata-se de um caso de eldquo;indevido bypasserdquo; ao sistema de transporte, e pediu, na ocasião, que a ANP se abstivesse de autorizar a construção do gasoduto eldquo;até que esgotados todos os debates técnicos, jurídicos e econômicos necessárioserdquo;.
O ativo, porém, já está operacional desde o ano passado. Como o gasoduto se encontra integralmente dentro da concessão de Mata de São João, a petroleira entende que ele se caracteriza como de seu interesse específico.
Na ocasião do questionamento, a TAG citou que o pedido de acesso às informações do processo tinha como objetivo esclarecer a interpretação do regulador quanto à classificação de dutos e que não se tratava, portanto, de uma questão específica endash; e, sim, visa evitar uma interpretação que gere um precedente com efeitos danosos aos usuários do mercadoerdquo;.