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As famílias brasileiras estão mais endividadas e pagando mais caro para tomar crédito, o que tem reduzido a disposição para contratar novos empréstimos, mostram dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC). Em outubro, o endividamento das famílias chegou a 49,3% da renda anual e o comprometimento com o pagamento de dívidas subiu para 29,4% do rendimento médio mensal. Já as concessões de novos empréstimos caíram 6,6% em novembro ante outubro, com a taxa média de juros do crédito total, para famílias e empresas, em 31,9% ao ano, a maior desde 2017.

O nível de endividamento é o mais alto desde novembro de 2022, quando a economia ainda estava na retomada em meio à pandemia de Covid-19. Mesmo com os orçamentos domésticos ocupados por dívidas, o volume total de crédito às famílias continuou crescendo. Em novembro, o crédito ampliado às pessoas físicas somou R$ 4,7 trilhões, o equivalente a 37,2% do Produto Interno Bruto (PIB), uma alta de 11,4% em 12 meses. O avanço indica que as famílias seguem recorrendo ao crédito, seja para manter o consumo, seja para reorganizar dívidas antigas.

O problema é que esse crescimento vem perdendo intensidade. O estoque total de crédito avançou 9,5% em 12 meses em novembro, abaixo do ritmo de outubro (10,2%). A desaceleração mostra que tanto consumidores quanto empresas estão mais cautelosos na hora de assumir novos compromissos financeiros.

Entre as empresas, o crédito ampliado somou R$ 6,8 trilhões, o equivalente a 53,8% do PIB, uma alta de 4,8% em 12 meses, puxada pela emissão de títulos de dívida, o que sugere que muitas empresas têm buscado alternativas fora dos empréstimos bancários.

Efeito dos juros

Outra forma de constatar a desaceleração é olhar para as concessões de novos empréstimos. Em novembro, houve uma queda de 6,6% frente a outubro, quando se considera o crédito total, para empresas e famílias. Na comparação com novembro de 2024, houve alta de 8,3%.

emdash; A desaceleração no consumo das famílias já reflete o efeito do comprometimento da renda com pagamento de dívidas. Nossa métrica de impulso de crédito, que estima o fluxo de pagamentos entre os bancos e as famílias, entrou em zona restritiva no início de 2025 e atingiu o nível mais baixo desde junho de 2023 em novembro emdash; disse o economista sênior Bruno Martins, do banco BTG Pactual.

A situação do gerente de supermercado Jean Carlos Pereira, de 30 anos, ilustra os efeitos do endividamento elevado das famílias na economia. Inadimplente desde 2022 com um empréstimo bancário, ele não consegue novas ofertas de crédito. Mesmo assim, Pereira não deixou o problema afetar o Natal da família e disse estar esperançoso de que conseguirá pagar a dívida, contou:

emdash; É claro que essa situação é ruim, mas é uma coisa que infelizmente é suscetível de acontecer em um país onde economicamente é desafiador de se viver. Não se pode perder o sono por isso e se deixar abalar emocionalmente, mas cabe ter paciência e na hora certa solucionar o problema.

Segundo especialistas, o quadro reflete o efeito prolongado dos juros elevados. O BC elevou a taxa básica Selic de setembro de 2024 a julho passado, para 15% ao ano, o maior nível desde 2006. A taxa básica serve como um piso para todo o sistema financeiro, como se fosse o preço no atacado dos juros. E leva um tempo até que as elevações eldquo;no atacadoerdquo; cheguem às taxas ao consumidor.

Para além do crédito total, a taxa média de juros para as pessoas físicas ficou em 37% ao ano em novembro emdash; 59,4% ao ano, quando se considera apenas o crédito livre, que não é regulado pelo governo. Em outubro, as médias foram de 36,4% ao ano e 58,5% ao ano, respectivamente.

Conforme o professor Alexandre Jorge Chaia, do Insper, o aumento do endividamento das famílias é afetado também pelo formato das dívidas, que costumam ter prazos curtos e são frequentemente renovadas:

emdash; Como muitos dos empréstimos vão sendo renovados, eles são renovados em patamares mais altos de juros, então isso está impactando. Quanto mais tempo ficar com juros altos, maior será o comprometimento e o aumento do valor da dívida totalizada sobre a renda das famílias.

Na avaliação de Katherine Henings, pesquisadora associada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e analista da BRCG Consultoria, mais importante do que o elevado endividamento das famílias, é o comprometimento da renda mensal, que chegou a 29,4%.

emdash; Quase 30% da renda mensal é utilizada para pagar dívidas com o sistema financeiro nacional emdash; afirmou Katherine. emdash; As famílias ainda têm outros compromissos mensais, como mensalidades escolares, planos de saúde, alimentação e transporte.

Atrasos sob controle

Apesar do cenário mais difícil, a inadimplência permaneceu relativamente estável. Os atrasos superiores a 90 dias ficaram em 3,8% do total da carteira de crédito em novembro, mesmo nível de outubro, mas acima dos 3% de novembro de 2024. Para as pessoas físicas, o indicador ficou em 4,7%, ante 3,7% no ano anterior.

emdash; Por enquanto, o crescimento da renda tem sustentado a inadimplência em um patamar baixo em relação ao nível de endividamento corrente emdash; disse Martins, do banco BTG Pactual.

Segundo Fábio Bentes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a dinâmica da inadimplência é um sinal de que o pior momento do cenário de crédito começa a ficar para trás. A Peic emdash; pesquisa mensal da CNC sobre o tema, mais ampla do que os dados do BC, pois considera também dívidas não financeiras, como contas de consumo emdash; já mostrou algum alívio em novembro. O percentual de entrevistados com contas em atraso atingiu em setembro a máxima da série histórica, iniciada em 2010, com 30,5%. Esse nível se repetiu em outubro, mas teve uma ligeira queda, para 30%, em novembro.

emdash; É um movimento inicial, embrionário, de uma expectativa de melhora emdash; disse Bentes, acrescentando que, o fato de que o mercado de trabalho segue aquecido, com o desemprego nas mínimas, permitirá um recuo mais rápido da inadimplência e dos juros ao consumidor quando o BC começar a cortar a taxa básica Selic.

Diante do cenário mais positivo, a CNC projeta um crescimento das vendas do varejo entre 3% e 3,5% em 2026, ante um avanço em torno de 2%, estimado para este ano, mas, segundo Bentes, ainda há incertezas sobre até quanto o BC poderá reduzir os juros. Se a demanda voltar a se aquecer demais, com pressões inflacionárias, a queda ficará limitada.

emdash; Ano eleitoral sempre traz surpresas. A preocupação é com o quadro das contas públicas. Se o governo não conseguir sinalizar que vai perseguir a meta, não será possível o juro cair muito. O quadro fiscal vai dar o tom da velocidade do afrouxamento da política de juros emdash; disse Bentes.

Fonte/Veículo: O Globo

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